Em meio ao livre comércio de pipocas, balas, doces e água de coco, sem contar a venda de CDs e DVDs piratas na portaria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), outro tipo de serviço prestado ali, sem qualquer tipo de inibição, se destaca - o jogo do bicho.
A Casa decidiu pelo arquivamento do pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o esquema de exploração do jogo do bicho e de máquinas de caça-níqueis em Minas. Mas, na portaria da Assembleia, o jogo permanece com o seu ponto fixo e ativo bem embaixo do nariz de quem um dia cogitou a hipótese de coibí-lo.
A Assembleia não é a única a ignorar a contravenção. O jogo também consegue passar despercebido pela Polícia Militar, que possui um posto - em pleno funcionamento - instalado a menos de 50 metros da entrada do Legislativo. Mesmo com a presença constante de policiais no local, o apontador, chamado Marcelo não aparenta sentir qualquer tipo de intimidação. Alheio ao vai e vem de pedestres transitando pelo local, o apontador realiza seu serviço tranquilamente, praticamente todos os dias, sentado na mureta em frente à entrada da Assembleia, na rua Rodrigues Caldas, ou em uma das mesinhas da praça Carlos Chagas, conhecida como pracinha da Assembleia.
Sem qualquer tipo de pudor ou constrangimento, portando uma pochete, levada nos ombros, Marcelo é figurinha conhecida de servidores e até de deputados, que passam por ele e o cumprimentam. A clientela também é grande e fiel. Por duas semanas, a reportagem de
O TEMPOacompanhou o trabalho no local. Inúmeras apostas são realizadas diariamente. Da pochete, o apontador retira o bloquinho de apostas e o caderno de anotações com os resultados.
Ao chegar um cliente, alguns com crachás da Assembleia, Marcelo logo retira sua caneta, guardada atrás da orelha, e realiza a aposta. Ele recebe as notas do pagamento e as coloca junto a um "bolo de dinheiro".
Conhecido na área, o contraventor tem livre acesso ao prédio da Assembleia. Por algumas vezes, a reportagem o flagrou entrando no prédio principal. Localizado em frente, o edifício Tiradentes, anexo do Legislativo, também permite o acesso livre de Marcelo. Logo na entrada do anexo, a cadeira de um engraxate também é utilizada para que o apontador realize o seu trabalho.
Apesar de Marcelo ser o principal apontador do jogo no local, ele parece não trabalhar sozinho. Sempre rodeado de outros homens, o contraventor costuma trocar diversos papéis e dinheiro com eles.
A pracinha é outro ponto da jogatina. Lá, diversas pessoas permanecem jogando cartas e damas nas mesas e bancos públicos. Mas o lugar também é usado por Marcelo, que passa horas sentado ali. Sempre ao telefone, o apontador chega a cantar os números das apostas falando alto e sem nenhuma preocupação.
Entenda
Inspiração. As propostas de criação de CPI para investigar os jogos ilegais em Minas ocorreram após ter sido deflagrado o escândalo nacional envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira e políticos.
A Assembleia Legislativa de Minas chegou a ensaiar a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a máfia dos jogos ilegais no Estado. O requerimento, proposto pelo deputado Sargento Rodrigues (PDT), tinha como objetivo comprovar a participação de policiais civis e militares em um esquema de exploração do jogo do bicho e de caça-níqueis, tal como no Congresso.
A proposta chegou a ter 40 assinaturas favoráveis a sua criação, mas sete deputados acabaram desistindo e, uma semana depois, outros oito retiraram as suas assinaturas. Com isso, a CPI não conseguiu emplacar.
Na época, Rodrigues afirmou que houve pressão do governo para que a comissão não fosse para frente. A Assembleia, então, decidiu arquivar o requerimento do deputado que solicitava a criação da CPI. (GP)
A Câmara Municipal de Belo Horizonte é mais um exemplo da fragilidade do poder público diante da exploração do jogo do bicho. Denúncia exclusiva do jornal
O TEMPO, no início do mês, mostrou que a Casa também possuía um ponto fixo do jogo.
Enquanto a Câmara de vereadores instaurou uma CPI para investigar e combater o jogo do bicho na capital, a prática começava na varanda da sede do Legislativo municipal.
Praticamente todos os dias, um aposentado visitava a Casa para recolher as apostas dos servidores. Segundo ele – que confessou a atividade –, os funcionários iam até a varanda, onde ele realizava a aposta. A sede do Sindicato dos Servidores do Legislativo da capital também era utilizada como ponto. A CPI do jogo do bicho na Câmara, no entanto, caminha a passos lentos. (GP)