quinta-feira, 9 de agosto de 2012

PM também usa o diálogo para atender menores que vivem nas ruas Militares especializados no atendimento a crianças e adolescentes que vivem nas ruas de BH empregam a confiança e o respeito para ajudar quem está em situação de risco


Publicação: 09/08/2012 06:00 Atualização: 09/08/2012 06:44
Policial do Geacar faz contato com grupo de menores concentrado nas proximidades da Região Hospitalar (Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Policial do Geacar faz contato com grupo de menores concentrado nas proximidades da Região Hospitalar
De um lado, crianças e adolescentes vivendo na rua, pedindo comida para sobreviver, cometendo pequenos atos infracionais e correndo o risco de usarem drogas ou serem vítimas da violência. Do outro, uma equipe especializada do 1º Batalhão de Polícia Militar (1º BPM), situado na Praça Floriano Peixoto, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de Belo Horizonte. A missão desses militares: estabelecer uma relação de confiança e respeito com os menores em situação de risco, de forma a evitar que eles sigam o rumo da criminalidade ou sofram atos de violência e abuso. 

A sargento Telma Honário da Costa, o cabo André de Faria Morato e a soldado Danielle Randi fazem parte do Grupo Especial para Atendimento à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco (Geacar) do 1º BPM, a única unidade da Polícia Militar de Minas Gerais que faz esse tipo de trabalho. Durante um dia, a reportagem do Estado de Minas acompanhou as atividades dos integrantes do Geacar e pôde ver o esforço que os policiais fazem para estabelecer um vínculo com quem perdeu muito cedo a referência familiar e busca a sobrevivência nas ruas.

O grupo foi criado em 1993 e, desde então, atua de forma preventiva, mantendo contato constante com as crianças e adolescentes que vivem nas ruas da Região Centro-Sul da capital. Atualmente, de acordo com a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, são cerca de 200 menores em trajetória de rua na capital, sendo que quase a metade está na área de atuação do Geacar. Quando os militares do Geacar estão de serviço, todas as ocorrências com menores, tanto como vítimas como autores, são atendidas por eles. Quando estão de folga, o registro é feito normalmente pelos demais integrantes do batalhão.

A soldado Danielle Randi, há pouco mais de um ano no Geacar, afirma que a confiança conquistada pelos militares contribui para as abordagens serem tranquilas, sem rispidez e sem violência por parte dos jovens. “Trabalhamos de uma forma mais humanizada para entender o que está acontecendo com aquele menino ou menina e tentar ajudar. Normalmente, levamos esses jovens até os locais que prestam assistência, como o projeto Miguilim da Prefeitura de BH”, diz ela. 

A soldado conta que, constantemente, quando descem da viatura para ver o que os meninos estão fazendo, são recebidos como amigos. “Há casos de crianças ou jovens que nos abraçam e nos agradecem por estarmos ali, coisa que não acontece quando outros policiais que eles não conhecem se aproximam”, acrescenta. 

Mesmo estando há pouco tempo no grupo, Danielle já se deparou com casos complicados, como a morte de uma menina que morava na rua. “Ela era sempre acompanhada por nós, mas começou a ficar doente e depois tivemos a notícia de que não resistiu e morreu. É muito triste saber disso, pois a gente tenta mostrar o caminho e muitas vezes eles não aceitam. Como não podemos obrigar ninguém a sair da rua, acaba ocorrendo o pior”, completa. 

Quando perguntada sobre o que mais chamou sua atenção nesse período como policial do Geacar, ela lembra o episódio da casa abandonada na Rua Rio Grande do Norte, Bairro Funcionários, Região Centro-Sul da capital. “Foi o que mais assustou, pois os meninos estavam vivendo em uma casa sem nenhuma condição de higiene e cometendo delitos na região. Eram praticamente todos os que vivem na área do 1º Batalhão em um ambiente degradante”, diz ela, se referindo aos quartos cheios de fezes, urina, lixo e muita sujeira, onde alguns chegavam até a fazer sexo e usar drogas.

Facilidades nas ruas
Prestes a completar 20 anos no Geacar, o cabo André de Faria Morato conhece bem a história de cada um dos meninos e normalmente escuta as mesmas reclamações na rotina de abordagens na Região Centro-Sul da capital. “Eles dizem que não dão certo com os pais e na rua acabam achando amizade, alimentação e roupa, enquanto em casa muitas vezes a situação é precária”, diz o militar. 

Ainda segundo o policial, na rua as crianças e adolescentes também encontram uma liberdade que os atrai bastante, pois fazem o que querem. “Porém, muitas vezes essa sensação de que podem fazer tudo esbarra no Geacar. Temos de recolher garrafas de tíner e outras drogas. E nessa hora é preciso cuidado, pois eles ficam agressivos, logo depois de usarem os entorpecentes e, imediatamente, ficar sem essas substâncias”, afirma Morato. “Por mais que nosso trabalho seja mais humano para tentar amenizar a situação que eles já vivem de violação de direitos, não podemos transigir e precisamos ser enérgicos”, diz o cabo. 

André Morato afirma que há alguns anos a situação nas ruas de Belo Horizonte era bem pior. “Já houve época de termos cerca de 700 meninos nas ruas. Os roubos eram muito comuns nos arrastões. Hoje esse número diminuiu bastante e o mais frequente são os furtos, apesar de ainda ocorrerem arrastões esporádicos”, acrescenta.


Proteção de maneira integrada

A situação dos cerca de 90 jovens que têm trajetória de rua na Região Centro-Sul de BH, de acordo com estimativa de Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, é o foco da Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público de Minas Gerais em parceria com a Polícia Militar, Polícia Civil e Prefeitura de BH. De acordo com a promotora Maria de Lourdes Rodrigues Santa Gema, como a área é a que mais concentra os meninos e meninas nas ruas da capital, especialmente a região dos hospitais, ela vai receber atenção especial das autoridades em um projeto integrado de proteção da infância.

“A ideia é trabalhar de forma articulada, criando uma rede para tentar reconstituir os vínculos dos jovens com a família no menor tempo possível. Queremos que as ações aconteçam para dar resultados a longo prazo, trabalhando com a família”, diz a promotora. Ainda segundo ela, o MP até pode ajuizar ações para tentar agir nos casos isolados e obrigar o acolhimento, mas a ação compulsória não traria o efeito desejado. “Os meninos não merecem uma ação forçada, pois rapidamente estariam de volta às ruas”, diz a promotora. Ela completa dizendo que uma das ações propostas é a reorganização do sistema das casas de passagem e abrigos da prefeitura.

“As casas de passagem e abrigos precisam de mais capacitação e mais técnicos para atuar com os jovens e estamos aguardando um reordenamento da prefeitura nesse sentido. Já o Centro Especializado de Referência à População de Rua Miguilim (especializado em atendimento a crianças e adolescentes) deveria funcionar 24 horas, pois desenvolve um trabalho excelente para nosso objetivo de renovar as relações entre os moradores de rua que têm menos de 18 anos e suas famílias”, completa a promotora. 
 

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