quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Estudo mostra a origem do caos no trânsito em BH


Pesquisa teve base em dados do Denatran, ao constatar que, durante uma década, veículos foram despejados nas ruas da região metropolitana à velocidade de 250 por dia. Infraestrutura não acompanhou aumento da frota

Publicação: 03/10/2012 06:00 Atualização: 03/10/2012 06:49

Dos tempos em que andava de ônibus, o estudante de direito Pedro Ribeiro, de 18 anos, não guarda saudade. Após atingir a maioridade e passar no vestibular, o rapaz tornou-se em agosto mais um entre os cerca de 1 milhão de condutores habilitados de Belo Horizonte. Ganhou dos pais um carro zero quilômetro e usufrui das vantagens de não precisar mais esperar tanto pelo transporte coletivo. Mas agora Pedro passou a fazer parte de um outro grupo: o daqueles que gastam horas parados nos congestionamentos da capital. Mesmo que não descarte as vantagens do veículo particular, ele afirma que atualmente fica ainda mais cansado com o arranca e para provocado pelos engarrafamentos diários. O universitário é, ao mesmo tempo, vítima e protagonista do fenômeno que em 10 anos despejou  nas ruas das 34 cidades da Grande BH 250 novos carros por dia – ou uma frota com mais de 10 automóveis a cada hora. 

Estudo do Observatório das Metrópoles mostra o crescimento da frota no país e alerta para a insuficiência da infraestrutura e dos investimentos para acompanhar o ritmo dessa explosão. O trabalho avalia os dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) em 12 metrópoles brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Curitiba, Brasília (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal), Belém, Goiânia e Manaus – conforme classificação de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, de acordo com o relatório, o aumento no número de veículos foi de 108,5%, acima da médias nacional (de 90%), o maior entre os principais aglomerados urbanos do país. E o estudante Pedro, como milhares de pessoas, já sente os efeitos negativos desse crescimento.

“Lógico que minha vida melhorou muito com o carro. Tinha coisas que eu deixava de fazer porque ficava com preguiça de pegar ônibus. Mas hoje tenho um desgaste diário muito grande dirigindo, já que o trânsito na cidade está caótico”, afirma o rapaz, que mora no Bairro Santo Antônio, na Zona Sul de Belo Horizonte, e estuda na Faculdade Milton Campos, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, cidade da porção Sul da Grande BH.


Na rota diária para a faculdade, o estudante leva três vizinhos e ainda usa o carro cheirando a novo para transportar familiares em seus compromissos. “Os trajetos são relativamente curtos, mas as vias estão tão cheias que o tempo gasto é uma eternidade. No fim do dia não estou aguentando nem ficar de pé”, compara. Para ele, a precariedade do transporte público é que leva tanta gente a disputar espaço nas ruas em seus próprios veículos.

Pesquisador do Observatório das Metrópoles e doutor em urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Juciano Martins Rodrigues concorda com o estudante e destaca que os governos ainda insistem em investir no modelo rodoviário de transporte, que classifica como saturado. Autor do estudo, ele diz que a tendência é de aumento da frota, sobretudo por causa de políticas de incentivo fiscal e de facilidades para compra e financiamento de veículos. 

Muito mais veículos para as mesmas ruas

As políticas de mobilidade e o investimento em obras estruturantes, porém, estão longe de acompanhar a velocidade de multiplicação da frota. “O critério está bem desenhado, inclusive se olharmos para os dados parciais de 2012 do Denatran, e a tendência é de crescimento acelerado. O grande problema é que a infraestrutura oferecida não acompanha esse aumento, mesmo com investimentos para megaeventos”, afirma Juciano. “Há pouquíssimo investimento no transporte sobre trilhos e no transporte não motorizado, como as bicicleta e até a circulação a pé, já que as calçadas não são adequadas e desestimulam o pedestre”, completa.

De acordo com a pesquisa, as frotas de Rio e São Paulo cresceram abaixo da média nacional, e com margem menor, porque antes de 2000, segundo Juciano, já registravam base alta. São Paulo, a metrópole mais populosa, tem cerca de 8,2 milhões de automóveis, o que representa 17,8% de toda a frota nacional. Entre 2001 e 2011, o aumento na metrópole paulistana foi de 68,7%: mais 3,4 milhões de carros nas ruas. 

Já o Rio de Janeiro registrou aumento de 62% nos 10 anos, o equivalente a mais de 1 milhão de automóveis em circulação nesse período. A Região Metropolitana de Belo Horizonte tem um incremento médio de 91.235 veículos ao ano e, percentualmente, só fica atrás de Manaus, que registrou aumento de 141%, passando de 26 mil automóveis em 2001 para 127 mil 10 anos depois.

Mas o crescimento da frota pode ter também aspecto positivo, considera o engenheiro civil e mestre na área de transportes Silvestre de Andrade Puty Filho. Para ele, mais carros na rua são um indício do aumento de renda da população da Grande BH, bem como da diminuição das taxas de desemprego. Mostram ainda que a população pôde absorver os incentivos fiscais e as facilidades de compra, segundo o especialista.

Mas como toda moeda tem dois lados, ressalta Silvestre, os governos municipais têm que arcar com o ônus dessa avalanche de carros nas ruas. “As cidades têm que lidar com os problemas de congestionamento, de mais acidentes, de poluição atmosférica e sonora, que são algumas das consequências desse aumento.”

Ao comentar a liderança da Grande BH diante de outras regiões metropolitanas, como São Paulo e Rio de Janeiro, o engenheiro explica a diferença entre os movimentos de aquisição de veículos nessas localidades. “Por ter uma estabilidade de renda maior, São Paulo já tinha uma taxa de motorização muito alta. Nesse cenário, as aquisições de veículo ocorrem mais para renovação da frota ou complementação de carro na família”, afirma. Já a Grande BH, segundo o especialista, assistiu a esse movimento de ascensão do poder de compra nos últimos anos.

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